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O Screening do Câncer de Próstata é a única maneira de diagnosticar o câncer de maneira precoce. Escrevi o texto abaixo para o site www.academiamedica.com.br.


 

Novembro é o mês da conscientização sobre o câncer de próstata. O Novembro Azul, campanha que tem como objetivo conscientizar a população sobre os riscos do câncer mais diagnosticado nos homens, depois do câncer de pele não-melanoma, tem sofrido algumas críticas, como por exemplo na recente coluna da jornalista Claudia Colucci (veja aqui) na Folha, e de correntes da medicina da família. Trago o ponto de vista de quem vê, trata o paciente com este problema e estuda o assunto a fundo: o urologista.

Praticamente tudo o que se sabe sobre o câncer de próstata, desde como se faz o seu diagnóstico inicial, seja por rastreio populacional ou não, o tratamento da doença localizada e avançada, até às técnicas que diminuíram a mortalidade e morbidade do tratamento cirúrgico e os novos medicamentos que prolongam as sobrevida de pacientes comcâncer metastático, enfim, tudo isto sofreu grande mudança desde meados da década de 80 para os dias atuais.

Tudo isto é muito recente. Antes, os pacientes apresentavam-se ao médico com sintomas da doença avançada como dor óssea, sangramento urinário, obstrução urinária, entre outros, que limitavam as alternativas de tratamento curativo e não curativo. Com o descobrimento do PSA e início do seu uso para rastreio do câncer de próstata, juntamente com o exame digital retal da próstata, houve grande diminuição do número de pacientes com diagnóstico de doença avançada, metastática, incurável. Este dado é indiscutível e levou a um grande entusiasmo em querer curar os pacientes com doença localizada, diagnosticada precocemente, através da cirurgia de prostatectomia radical.

Ao longo de 20 anos, dados sobre a evolução destes pacientes foram coletados e agregados em 2 principais estudos. Estes resultados e suas análises foram recentemente publicados e concluíram, para supresa de todos, que não houve diferença na mortalidade especificamente relacionada ao câncer de próstata, comparando a era pré e pós PSA.

Realmente, temos aprendido que o câncer de próstata não é uma doença igual para todos os pacientes. Há casos em que, diagnosticando-se o câncer em estágio primário, podemos simplesmente acompanhar seu comportamento clínico e biológico, sem necessidade de submetermos estes pacientes a cirurgia. Velhas e novas ferramentas de acompanhamento, como o refinamento dos dados do PSA, novos marcadores de sangue e urina, análises genéticas e refinamentos dos exames de imagem, tem sido aprimorados e fornecem aos urologistas meios de detectar. De fato, qual paciente deve ser tratado e qual paciente deve ser acompanhado, em um regime que chamamos de vigilância ativa.

Mesmo assim, há sim muito a se desenvolver nesta área e a comunidade científica urológica não se cansa de discutir e rediscutir análises, estudos que consigam determinar e prever em qual caso o câncer vai ter que comportamento biológico. Estes achados poderão determinar, com mais segurança, o melhor esquema de tratamento.

Ainda se fosse fácil, esbarramos também no fato de que sim, pode-se acompanhar um paciente diagnosticado com câncer, com segurança. Mas será que este paciente conseguirá dormir tranquilo sabendo que porta consigo um câncer, uma doença que remete a inúmeros estigmas e histórias sofrimento. Como podemos reduzir este impacto para o doente portador de câncer?

O esforço para melhorar a qualidade de vida deste tipo de pacientes está passando também pela mão dos radiologistas, que refinam seus métodos de imagem para nos dar informações sobre o comportamento do câncer, e dos patologistas, que discutem em renomear os casos mais brandos de câncer de próstata para nomenclaturas que não carreguem tanto peso, assim como é no câncer de colo de útero, por exemplo.

Considerando tudo isto, e considerando de maneira franca que sim, o homem brasileiro tem menos cuidado com a sua saúde comparado com, por exemplo, as mulheres, acho a campanha do Novembro Azul uma excelente oportunidade para exaltar os perigos do diagnóstico tardio do câncer de próstata, as chances de cura para os pacientes com câncer em estágio inicial que necessitam ser de fato operados e para chamar a atenção dos homens à sua saúde como um todo. Porque, numa consulta urológica durante o Novembro Azul, damos atenção à saúde do homem como um todo a exemplo de qualquer consulta em qualquer momento, e não resumimos a consulta ao exame digital da próstata, como alguns podem inferir.

Especificamente sobre o câncer de próstata, dizer que o Novembro Azul é uma iniciativa equivocada sugere uma maneira muito superficial de entender o papel do urologista tanto no consultório frente ao seu paciente com suspeita ou diagnóstico de câncer de próstata, quanto na pesquisa e desenvolvimento de ferramentas que diminuam o impacto desta doença e suas complicações na sociedade.

Identificar o câncer é condição imprescindível para definir qual estratégia terapêutica podemos instituir, visando não só reduzir mortalidade ou aumentar sobrevida, mas visando dar dignidade ao paciente em explicar-lhe os riscos e benefícios de todas as estratégias terapêuticas disponíveis. Prevenir estes pacientes de voltarem no tempo e tornarem-se candidatos a sofrer com as complicações da doença avançada, como há 30 anos, sempre individualizando os contextos de cada homem doente ao melhor conhecimento científico e ao preceito maior de primum non nocere.

 

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